"Tendo em vista que a Síndrome de Dependência Alcoólica é catalogada pela Organização Mundial de Saúde (OMS) como doença grave, a dispensa do empregado, em decorrência de sua condição, viola o entendimento consubstanciado na súmula 443 do TST. Sua reintegração é, pois, medida que se impõe".
Assim, a 5ª turma do TRT da 3ª região reconheceu como discriminatória a dispensa sem justa causa de um trabalhador diagnosticado com alcoolismo e reformulou sentença do juízo da 15ª vara do Trabalho de Belo Horizonte/MG, para condenar a empresa ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 5 mil.
Entenda o caso
Um trabalhador, diagnosticado com alcoolismo, ao voltar para o trabalho após afastado por licença, foi demitido sem justa causa. Na Justiça, o homem pediu reintegração ao serviço e indenização por estabilidade provisória. Ao proferir sentença, o juízo acolheu o laudo pericial e rejeitou a alegação de doença profissional, bem como indeferiu o pedido de reintegração e indenização pela estabilidade provisória.
Em recurso no TRT/3, o trabalhador sustentou haver presunção de que a dispensa se deu por motivo "desqualificado e injusto" e que a empresa tinha ciência do seu quadro clínico, já que foram inúmeros os atestados médicos e afastamentos durante todo período contratual, o que, no seu entendimento, justifica os pedidos de nulidade da dispensa, reintegração, indenização substitutiva e reparação por danos morais.
Sobre a inexistência de doença profissional, o relator comungou com o entendimento adotado em 1º grau. Com base na prova pericial, o julgador concluiu que a doença do trabalhador não teve qualquer relação com o trabalho e que, dessa forma, não estiveram presentes os requisitos à estabilidade prevista no artigo 118 da lei 8.213/91.
"Diversamente do sustentado, o perito analisou detidamente as funções exercidas pelo autor e, embora o obreiro seja acometido por transtornos mentais e comportamentais devido ao uso de álcool, além de epilepsia, concluiu pela inexistência de doenças ou lesões causadas ou agravadas pelo trabalho."
Conforme pontuou, o laudo pericial é elaborado por especialista a quem incumbe apurar as condições de trabalho, cujas conclusões somente podem ser afastadas por prova robusta em sentido contrário, o que não ocorreu, no caso.
Nesse quadro, foi mantida a sentença, quanto à improcedência das pretensões formuladas com fulcro na estabilidade prevista no artigo 118 da Lei 8.213/1991.
Dispensa discriminatória
Para o relator, as provas produzidas demonstraram que a dispensa foi discriminatória. Conforme histórico médico-previdenciário relatado pelo perito, o reclamante esteve afastado, recebendo auxílio-doença previdenciário de 24/7/2018 a 5/10/2018. Ele foi dispensado sem justa causa em 9/10/2018, um dia após ter sido avaliado em exame médico de retorno e ser considerado apto para o trabalho.
A prova documental ainda revelou que, a partir do dia 24/7/2018, o trabalhador esteve internado no Hospital Espírita André Luiz, sem previsão de alta na ocasião. O resumo clínico do sumário de alta, datado de 25/10/2018, registrou, entre os problemas listados, "síndrome de abstinência alcoólica". Diante das circunstâncias apuradas, na análise do relator, a empresa tinha conhecimento da condição de dependente químico do empregado, quando o dispensou sem justa causa.
O relator chamou atenção para o fato de que a aptidão para o trabalho, atestada pelo exame de retorno ao serviço, não tem a força de afastar a condição do empregado de dependente de substância alcoólica.
Ao reconhecer a existência de dispensa discriminatória, o relator se baseou no artigo 1º da lei 9.029/95, que proíbe qualquer prática discriminatória e limitativa para acesso ou manutenção da relação de emprego, podendo incluir qualquer motivo capaz de modificar a igualdade de oportunidades ou de tratamento no âmbito das relações de trabalho, sem justificativa plausível.
O julgador registrou que o empregador tem o poder de dispensar os empregados quando lhe convém, sendo uma das prerrogativas que o risco do negócio lhe traz. Entretanto, não pode agir de maneira a discriminar trabalhadores, devendo respeitar o princípio da dignidade humana.
Na decisão, o relator asseverou que a dispensa do trabalhador que sofre de dependência a substâncias alcoólicas é presumidamente discriminatória, nos termos da súmula 443 do TST, e encontra vedação na lei 9.029/95.
"Nesse contexto de fragilidade da saúde do obreiro, decorrente da dependência química reconhecida como doença pela Organização Mundial de Saúde, não se consideram comportamentos desidiosos eventuais faltas ou ausências injustificadas do posto de trabalho em parte da jornada, que, em situações ordinárias, embasariam até mesmo a dispensa por justa causa, com fundamento no artigo 482, "e", da CLT."
Danos morais
Entretanto, tendo em vista que o reclamante se encontrava incapacitado para o trabalho, recebendo aposentadoria por invalidez previdenciária, desde 6/10/2019, o pedido de reintegração foi convertido em indenização por danos materiais.
Assim, fixou indenização no valor de R$ 5 mil, compatível com a lesão moral sofrida pelo autor, com a capacidade patrimonial da empresa e com a gravidade do fato.
Fonte: Migalhas