A Lei 14.905, de 28 de junho de 2024, alterou o Código Civil para dispor sobre atualização monetária e juros.
A atualização monetária (correção monetária) tem como objetivo recompor a desvalorização da moeda, em decorrência da inflação. Sendo assim, deve-se atualizar o valor do crédito em razão do tempo transcorrido até o pagamento para a preservação do poder aquisitivo [1].
Os juros compensatórios (remuneratórios) retribuem o uso do capital emprestado. Os juros moratórios indenizam o prejuízo decorrente da mora ou do inadimplemento da obrigação. Os juros podem ainda ser convencionais (contratuais) ou legais, conforme decorram de estipulação das partes ou de determinação direta da lei [2].
Não cumprida a obrigação, responde o devedor por perdas e danos, mais juros, atualização monetária e honorários de advogado (artigo 389 do Código Civil, com redação dada pela Lei 14.905/2024).
Na hipótese de o índice de atualização monetária não ter sido convencionado ou não estar previsto em lei específica, será aplicada a variação do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), apurado e divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), ou do índice que vier a substituí-lo (artigo 389, parágrafo único, do Código Civil, incluído pela Lei 14.905/2024).
Considera-se em mora o devedor que não efetuar o pagamento no tempo, lugar e forma que a lei ou a convenção estabelecer (artigo 394 do Código Civil).
Responde o devedor pelos prejuízos a que sua mora der causa, mais juros, atualização dos valores monetários e honorários de advogado (artigo 395 do Código Civil, com redação dada pela Lei 14.905/2024).
Conforme o artigo 406 do Código Civil, na redação original, quando os juros moratórios não forem convencionados, ou o forem sem taxa estipulada, ou quando provierem de determinação da lei, serão fixados segundo a taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional.
A taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (Selic) incide nos juros moratórios dos tributos federais (artigo 13 da Lei 9.065/1995, artigo 61, § 3º, da Lei 9.430/1996 e artigo 30 da Lei 10.522/2002).
O Superior Tribunal de Justiça fixou a seguinte tese em recurso especial repetitivo (Tema 99):
“Atualmente, a taxa dos juros moratórios a que se refere o referido dispositivo [art. 406 do CC/2002] é a taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e Custódia – SELIC, que não pode ser cumulada com a aplicação de outros índices de atualização monetária” (STJ, 1ª Seção, REsp 1.102.552/CE, 2008/0266468-7, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJe 06.04.2009).
Confirmando o exposto, o STJ fixou ainda a seguinte tese em recurso especial repetitivo (Tema 112):
“A taxa de juros moratórios a que se refere o art. 406 do CC/2002 é a taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e Custódia – SELIC” (STJ, 1ª Seção, REsp 1.110.547/PE, 2009/0000390-8, Rel. Min. Castro Meira, DJe 04.05.2009).
Em sentido divergente, cabe fazer referência ao Enunciado 20 da 1ª Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal: “A taxa de juros moratórios a que se refere o artigo 406 é a do artigo 161, § 1º, do Código Tributário Nacional, ou seja, um por cento ao mês” [3].
Nos termos do artigo 406 do Código Civil, com redação dada pela Lei 14.905/2024, quando não forem convencionados, ou quando o forem sem taxa estipulada, ou quando provierem de determinação da lei, os juros serão fixados de acordo com a taxa legal.
A taxa legal dos juros corresponderá à taxa referencial da taxa Selic, deduzido o índice de atualização monetária de que trata o parágrafo único do artigo 389 do Código Civil (artigo 406, § 1º, do Código Civil, incluído pela Lei 14.905/2024).
A parte final do artigo 406, § 1º, do Código Civil deve ser interpretado de forma sistemática, mantendo a coerência do ordenamento jurídico. Ao que tudo indica, na lógica da Lei 14.905/2024, considerou-se que sobre o valor principal incidem, em tese, a atualização monetária e os juros. No entanto, como a taxa referencial da Selic já engloba a atualização monetária [4], deve-se deduzir o índice desta, justamente para que não ocorra bis in idem.
Metodologia
A metodologia de cálculo da taxa legal e sua forma de aplicação serão definidas pelo Conselho Monetário Nacional e divulgadas pelo Banco Central do Brasil (artigo 406, § 2º, do Código Civil, incluído pela Lei 14.905/2024).
Caso a taxa legal apresente resultado negativo, este será considerado igual a zero para efeito de cálculo dos juros no período de referência (artigo 406, § 3º, do Código Civil, incluído pela Lei 14.905/2024).
O Banco Central disponibilizará aplicação interativa, de acesso público, que permita simular o uso da taxa de juros legal estabelecida no artigo 406 do Código Civil, em situações do cotidiano financeiro (artigo 4º da Lei 14.905/2024).
Na esfera contratual, destinando-se o mútuo (empréstimo de coisas fungíveis) a fins econômicos, presumem-se devidos juros, os quais, sob pena de redução, não podem exceder a taxa a que se refere o artigo 406 do Código Civil, permitida a capitalização anual (artigo 591 do Código Civil, na redação original) [5].
O STJ fixou a seguinte tese em recurso especial repetitivo (Tema 953):
“A cobrança de juros capitalizados nos contratos de mútuo é permitida quando houver expressa pactuação” (STJ, 2ª Seção, REsp 1.388.972/SC, 2013/0176026-2, Rel. Min. Marco Buzzi, DJe 13.03.2017).
Nos termos do artigo 591 do Código Civil, com redação dada pela Lei 14.905/2024, destinando-se o mútuo a fins econômicos, presumem-se devidos juros.
Se a taxa de juros não for pactuada, aplica-se a taxa legal prevista no artigo 406 do Código Civil (artigo 591, parágrafo único, do Código Civil, incluído pela Lei 14.905/2024).
Ainda no âmbito contratual, a mora do segurador em pagar o sinistro obriga à atualização monetária da indenização devida, sem prejuízo dos juros moratórios (artigo 772 do Código Civil, com redação dada pela Lei 14.905/2024).
No condomínio edilício, o condômino que não pagar a sua contribuição ficará sujeito à correção monetária e aos juros moratórios convencionados ou, não sendo previstos, aos juros estabelecidos no artigo 406 do Código Civil, bem como à multa de até 2% sobre o débito (artigo 1.336, § 1º, do Código Civil, com redação dada pela Lei 14.905/2024).
As alterações da Lei 14.905/2024 seguem a linha do entendimento firmado pela jurisprudência, notadamente quanto a índice de atualização monetária e taxa legal de juros [6].
Confirmando a tendência de adoção da Selic, de acordo com o artigo 3º da Emenda Constitucional 113/2021, com entrada em vigor em 09.12.2021, nas discussões e nas condenações que envolvam a Fazenda Pública, independentemente de sua natureza e para fins de atualização monetária, de remuneração do capital e de compensação da mora, inclusive do precatório, haverá a incidência, uma única vez, até o efetivo pagamento, do índice da taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (Selic), acumulado mensalmente.
Ressalte-se que o STJ fixou a seguinte tese em recurso especial repetitivo (Tema 26): “São inaplicáveis aos juros remuneratórios dos contratos de mútuo bancário as disposições do artigo 591 c/c o artigo 406 do CC/02” (STJ, 2ª Seção, REsp 1.061.530/RS, 2008/0119992-4, Rel. Min. Nancy Andrighi, DJe 10.03.2009).
Apesar de o artigo 591 do Código Civil, com redação dada pela Lei 14.905/2024, não mais mencionar a permissão de capitalização dos juros [7], entende-se que esta pode ser convencionada pelas partes.
Nas operações realizadas pelas instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional, é admissível a capitalização de juros com periodicidade inferior a um ano (artigo 5º da Medida Provisória 2.170-36/2001, ainda em vigor, nos termos do artigo 2º da Emenda Constitucional 32/2001).
O Supremo Tribunal Federal fixou a seguinte tese em recurso extraordinário com repercussão geral:
“Os requisitos de relevância e urgência previstos no art. 62 da Constituição Federal estão presentes na Medida Provisória 2.170-36/2001, que autoriza a capitalização de juros com periodicidade inferior a um ano nas operações realizadas pelas instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional” (STF, Pleno, RE 592.377/RS, Red. Min. Teori Zavascki, DJe 20.03.2015).
Nessa linha, segundo a Súmula 539 do STJ:
“É permitida a capitalização de juros com periodicidade inferior à anual em contratos celebrados com instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional a partir de 31/3/2000 (MP 1.963-17/2000, reeditada como MP 2.170-36/2001), desde que expressamente pactuada” (DJe 15.06.2015).
É permitida a pactuação de capitalização de juros com periodicidade mensal nas operações realizadas pelas entidades integrantes do SFH (Sistema Financeiro da Habitação, artigo 15-A da Lei 4.380/1964, incluído pela Lei 11.977/2009).
Cabe, assim, acompanhar a aplicação das previsões decorrentes da Lei 14.905/2024, publicada no Diário Oficial da União de 1/7/2024, a respeito da atualização monetária e dos juros.
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