A 6ª turma do STJ decidiu nesta terça-feira, 14, importante questão. O colegiado, em julgamento conjunto de dois casos, permitiu o salvo-conduto para plantio de cannabis com fins medicinais.
A decisão foi unânime, com voto dos relatores Rogerio Schietti e Sebastião Reis Jr., e parecer favorável do MP. Com a decisão, fica impedido que qualquer órgão de persecução penal turbe ou embarace o cultivo dos pacientes.
Os casos trataram de pedido de salvo-conduto para a produção de cannabis sativa para tratamento de enfermidades, a impedir as autoridades de procederem à prisão ou à persecução penal devido à produção artesanal.
O integrante do MPF, José Elaeres Marques, se manifestou favorável ao plantio, no sentido de que o caso não é de autorização para cultivo enquanto pedido imediato, mas tão somente que a conduta de cultivar para fins estritamente medicinais não seja reprimida criminalmente com ameaça de prisão em flagrante.
Advogadas de diversas associações também sustentaram pedindo pelo salvo-conduto.
Garantia da vida
O relator do recurso especial, ministro Rogerio Schietti, fez um apelo para que todos os agentes estatais envolvidos na temática, não só do Poder Executivo, mas também do Judiciário, cumpra "esse dever cívico e civilizatório de, se não regulamentar, pelo menos definir em termos legislativos".
O ministro salientou que, se o Direito Penal, por meio da "guerra às drogas", não mostrou, ao longo de décadas, quase nenhuma aptidão para resolver o problema relacionado ao uso abusivo de substâncias entorpecentes - e, com isso, cumprir a finalidade de tutela da saúde pública a que em tese se presta -, "pelo menos que ele não atue como empecilho para a prática de condutas efetivamente capazes de promover esse bem jurídico fundamental à garantia de uma vida humana digna, como pretendem os recorridos com o plantio da Cannabis sativa para fins exclusivamente medicinais".
Segundo Schietti, embora a legislação brasileira possibilite, há mais de 40 anos, a permissão, pelas autoridades competentes, de plantio, cultura e colheita de cannabis exclusivamente para fins medicinais ou científicos, até hoje a matéria não tem regulamentação ou norma específica, "o que bem evidencia o descaso, ou mesmo o desprezo - quiçá por razões morais ou políticas - com a situação de uma número incalculável de pessoas que poderiam se beneficiar com tal regulamentação".
"O que pretendem os recorridos com o plantio da Cannabis não é a extração de droga (maconha) com o fim de entorpecimento - potencialmente causador de dependência - próprio ou alheio, mas, tão somente, a extração das substâncias com reconhecidas propriedades medicinais contidas na planta. Não há, portanto, vontade livre e consciente de praticar o fim previsto na norma penal, qual seja, a extração de droga, para entorpecimento pessoal ou de terceiros."
Diante disso, negou provimento ao recurso especial para permitir o cultivo de cannabis, com autorização de transporte de sementes, folhas, flores, óleos e insumos, em embalagens lacradas, para deslocar o material entre a alfândega, a residência do paciente, os laboratórios e o consultório médico.
Benefícios do uso
O relator do recurso em habeas corpus, ministro Sebastião Reis Jr., ressaltou que se tem que enfrentar a questão e que vários países do mundo já legalizaram, cada um na sua forma.
"Simplesmente taxar de maldita uma planta porque há um preconceito com ela, sem um cuidado maior em se verificar os benefícios que seu uso pode trazer, é de uma irresponsabilidade total."
O ministro esclareceu que não se está discutindo a licença, e, sim, se o tribunal deve obstar previamente a persecução penal em relação à produção caseira de cannabiol para paciente em tratamento médico.
"O ponto em discussão é a aparente contradição entre a norma penal incriminadora (arts 33 a 39 da lei 11.343) e a omissão do Estado brasileiro em regulamentar o plantio, a cultura e a colheita de vegetais, substratos, dos quais possam ser extraídas ou produzidas drogas, especificamente a maconha e o cannabidiol, possibilidade prevista no art. 2, parágrafo único, da mesma lei."
O ministro questionou: "No caso em discussão, a omissão legislativa pode-se agregar aos que podem custear seu tratamento importando os medicamentos a base de cannabidiol, e os que não podem?"
Sebastião Reis Jr. ressaltou que o custo da aquisição do cannabidiol torna-se barreira intransponível e segregadora do acesso à saúde. "A eventual concessão do presente salvo-conduto não se cuida propriamente de uma novidade em termos dogmáticos", destacou.
"Enquanto o uso recreativo estabelece relação de tipicidade com a norma penal incriminadora, o uso medicinal, científico ou mesmo ritualístico-religioso não desafia persecução penal dentro dos limites regulamentares."
Assim, deu provimento ao recurso em habeas corpus para conceder salvo-conduto para o paciente para impedir que qualquer órgão de persecução penal turbe ou embarace o cultivo.
A decisão foi unânime, com parecer favorável do MP.
Fonte: Migalhas